Para ler ouvindo: Switch
uma tarde amarela como só meus óculos permitiam ver.
Uma chuva fina de final do verão passava larga por entre os fios do meu cabelo ralo e comprido.
Eu caminhava passos curtos cuidando pra não pisar nos grãos de areia e cair.
Meu casaco pesado e verde militar que fora minha ultima grande compra me protegia do vento bem como um abraço de mãe.
Aqueles trocados sobrados da passagem do ónibus serviam nem pra matar a sede e eu caminhava pra casa.
- não to justificando minhas faltas, to completando minhas reticencias...
Pensei sempre que não queria ser um cara inconcluso. Mas não dava, essa mania de não conseguir terminar algo que começava.
Coisas soltas no meio da tarde.
Letras de canções muito nostálgicas pra terem sentido.
Poemas Quintanescos demais pra não serem plágio.
Projetos com dinâmica da temperatura, do ar e do som...
E lá vem elas de novo, as reticencias.
Sempre latentes, mais presentes que oxigenio...
Aliás, precisava respirar. Corri uma quadra quase, só pra ver se ainda conseguia. E badabin badaboom.
O lapso de tempo entre meus pensamentos parecia um tetraedro colorido, um caleidoscópio cheio de vida mas que parecia não ter mais fim.
Eu olhava de longe, atacava com os olhos, sedent já querendo saltar por sobre o corpo branco e luminoso. Os cabelos pretos e os olhos acuados, seria simples e fácil como sempre fora.
Um quarto, um pedaço minúsculo de qualquer acido e pronto.
Minhas mãos pareciam ter seus poros abertos, infestados de som, que passava pelas minhas fibras atravessando meus ossos por sob a pele, me preenchendo de uma felicidade tão tola, que me fazia flutuar uns poucos centímetros do chão.
Uma linha inteira da chave e era como se eu visse um furacão vindo na minha direcção.
Aquela imensa tempestade se anunciando e eu pronto, nu, de frente com os pés travados no chão pra suportar tudo que pudesse vir dali.
No olho do furacão e tudo girando ao meu redor.
Nessa viagem toda o tempo entrecortado de sinais vermelhos e calçadas de tijolo amarelo, atravessando faróis, neblina e noite.
Sim, nem sol havia naquela hora.
Aquelas altas horas, em chuva, nem sol, nem luz nenhuma que me pudesse mostrar onde o passo seguinte me levaria.
Ao final do túnel a luz pode ser um trem e pode ser o pica-pau fingindo ser um trem.
Quem sabe no começo eh mais fácil de perceber se a queda vai doer, ja que no fim, não vai dar mesmo pra comparar a dor.
- Eu acho que não devia ter complicado tanto, afinal, a coisa toda é muito mais simples, a maçã cai sempre perto da árvore, foi pura sorte o Newton estar ali...
Quais as minhas chances de que a maçã caia na minha?
Aquele magnetismo, aquele cheiro, a pele, o olhar. Era tudo tão sinergico, tão situado, complexo e instintivo. Eu não queria fugir, santo Cristo pela primeira vez eu não queria fugir.
Estava ali, pés e mãos atadas, caçador, predador superior sobre todos os outros, em plena rendição.
Sentados, sob a chuva, sobre o chão, falando sobre emoção. Entendendo menos do que seria possível e sentindo mais que o necessário. Os braços que circundavam.
Os abraços que não terminavam e era tudo mítico, parnasiano e cruel.
Eu lá, me sentindo pleno e repleto de mim mesmo.
Correu o tempo, a tarde cessou, o ocaso se encarregou de por fim ao meu devaneio, naquele longo passeio de ciranda.
Bom...
Cheguei em casa cedo, antes do que tinha previsto.
deitei cansado na cama.
Pensei em beber café, mas, a padaria estava fechada.
Peguei num papel qualquer num canto do quarto.
Rabisquei numa letra que só eu entendo:
-quem tem poder... que pare o tempo.
Quem pode ter, viva o momento.
Quem tem tempo, pode voar.
Quem pára no ar, pode ter tudo.
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