Toma, lambe a tampinha!!! [nostalgia]

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009 by AlphaMale
Engraçado como uma coisa leva a outra, tão aleatoriamente.
Acordei hoje pensando nalgo que eu ainda não sabia bem o que era, só sei que os sonhos dessa noite não foram nada colaborativos pra que eu me encontrasse.

Um certo par de olhos, uma certa risada e ...

Enfim, esse destino é incerto, tem seus motivos mas não tem nenhuma lógica.
Pras almas não existe geografia, elas habitam e saem do corpo quando querem vagando mundo afora e causando aquela sensação de "já nos conhecemos" as vezes...

Depois do meu almoço, fui beber um iogurte pra matar a sede e completar aquele espaço vazio no meu estômago que as vezes era paixão e as vezes fome. Quando abri aquela tampinha eu tencionei lamber e...

Hoje, fazem 4 anos que vi meu pai pela última vez. Essa vez por sinal, a mais intensa de todas elas.
Foi numa única vez, a primeira vez que vi meu pai chorar, a unica vez que vi meu avô, aliás ele morreria dois meses depois.
Era Sexta, chovia pouco, era meio que uma garoa programada pra ser melancólica e estafante. Não aliviava o calor e molhava, mas deixava um cheiro brando e adocicado pela hortelã no pátio.

Eu tinha saído do trabalho pra ir até o cemitério e não acreditava direito ainda que tinha recebido uma ligação do meu pai. Eu tava chapado de erva, na época eu ainda fumava machonha e tinha visto um show do Mano Chao recentemente e aquele som mexe mesmo contigo.

Mesmo na época era algo bem raro e marcante pra mim. Ele não tremia a voz ao telefone, era entonada e mais carregada de sotaque que a minha. Dizem que a gente fala parecido, dizem poucos, quase ninguém conhece o Dani... Meu progenitor.

" ...a vó morreu" Disse retendo-se logo depois. Sei lá porque, na hora eu nem liguei muito. Mas depois fui pensando. Fora os 4, 5 anos que eu cresci com o meu pai, eu tinha visto ele 5 vezes depois só. Já a minha avó Maiquel, eu tinha passado bons anos com ela. Sim, Maiquel, minha vó tem esse nome, ele significa algo como Maria para os Eslavos. E dai veio meu nominho lindo que todo mundo erra :D.
Ele tinha um nó na garganta e eu senti isso, se quer saber, foi só por isso que eu aceitei ir com ele. Afinal ele nunca me procurava e eu sempre senti por ele o mesmo desprezo que senti pelos platelmintos.

À caminho do cemitério eu lembrava das horas engraçadas perto da minha vó que eu vi tão rapidamente nos meses de inverno. Ela era e talvez sempre seja a figura mais emblemática da família. Ela cozinhava mal, muito mal, mas ninguém ousava falar aquilo e ainda mais, repetiam com cara de feliz.

Ela nunca pronunciara uma única palavra em português, sabia ler muito bem, mas isso era só. Jamais se questionou essa decisão dela. Ainda que seja engraçado ela ter me inserido no universo Quintanesco , dizia que era o único poeta de quem gostava fora Goethe e Heine e Shakespeare que esse último é meu favorito.

A família era dividida em duas:
uma parte era colada com a vó, filhos, netos, irmãos dela. Todos.
A outra por sua vez eram, meu pai e meu avô, Fitzgerald, eles haviam a muito se separado e só meu pai ainda via meu vô no asilo.

Não que eu sinta saudades do cara que me tirou do saco dele e me jogou no mundo, mas confesso que teria aprendido muito com ele se aquele sarcasmo egoísta não fosse uma parede instransponível pra um moleque novo como eu.
Afinal ele sempre teve, segundo me dizem e eu já vi, uma aptidão fora do comum com numéros primos e lógica fundamental além das dinâmicas do movimento, temperatura e aérea.
Sem falar que ele conseguia deixar boquiabertos mesmo os mais entendidos sobre qualquer coisa com a desenvoltura com que desenvolvia seus textos e era digno dum prémio de oratória; é um grande homem, ainda que não passe de um traste.

Sei que ele tinha algum orgulho do filho pretenso físico, sei que ele gostava de perguntar pra minha mãe sobre as minhas boas notas e que gostava de saber que eu cantarolava as canções que ele me ensinou quando criança. Mas, éramos parecidos demais pra que ele admitisse tanto quanto eu que sentíamos falta um do outro e nem mesmo os outros filhos dele supriam essa carência dele assim como eu não tinha como preencher as lacunas minhas com um pseudo-pai.

- Teríamos sido grandes se nos uníssemos. Eu pensei uma vez. Mas as coisas são como devem ser e ponto.

Aquela garoa mantinha-se no mesmo movimento continuo e sem vento. Eu mal conseguia pensar estando quase ensopado, mas isso era uma questão de ponto de vista. Eu não conseguia era ordenar os pensamentos, mas eles estavam lá. Em cadeia, fundamentando-se nas minhas horas mais felizes.
Depois da cerimonia breve e quase vazia. O corpo desceu, coberto de terra, o caixão marrom carvalho parecia brilhar como sol atrás de nuvens de chuva. Lá se vai meu ultimo resquício de passado.

Depois daquilo, meu pai e eu, saímos pra jantar onde sempre nos encontrávamos quando a coisa envolvia nossos assuntos.

Nenhuma palavra foi dita.

Ele não chorava mais, eu não tinha mais pena dele, nem paciência de ver ele comer vitelo.

Sai dali escutando musica, naquela época eu já cultivava, aliás, desde muito pequeno cultivo o hábito de ter um rádinho, um mp3 ou algo do genero por perto pra desviar a atenção dos meus problemas com música.

Eu não tive, logo, esse modelo clássico de pai que algumas poucas pessoas têm, na minha geração isso eh comum pelo visto.
Aprendi a ser pai, trabalhando desde os 13 pra ajudar a sustentar minha mãe na época desempregada e três irmãs, filhas dum pai sem importância. Aprendi a ser pai das primeiras noites acordado pelo choro de criança e nessa época eram minhas irmãs que eu levava pra hospitais com dores de ouvido.

Chegando em casa com a cabeça cheia de coisas, pensava na morte como algo muito apropriado pra quem está cansado da vida. É como sono, mas sem prazo de retorno.
Todos os domingos de 2005, sem que um só falhasse eu ligava pra minha vó. Ela era atenta à mim. Não admitia, como capricho genético, mas me amava, afinal não vejo motivo pra uma senhora com seus 83 anos cozinhar num domingo.

Sentia falta do meu pai, ela dizia que sabia que eu era importante pra ele, mas eu sempre precisei sentir por minha conta pra acreditar, assim como não gosto do telefone, preferindo olhar nos olhos pra ver e sentir quando converso.

Mas na minha vó eu acreditava.

Uma vez, eu tinha lá pelos meus 10 anos.
Era domingo de sol e estava passando uma reprise de algum filme engraçado na tv.
Ela estava varrendo o chão, sempre achou dignas as obrigações do lar, eu tinha acabado de ser deixado ali pela minha mãe que na época trabalhava no restaurante que depois viria a ser nosso.
Mas ali pela sala, eu deitado no carpete, pensava com fome e pensar com fome é algo primitivo e instintivo ao extremo.
"o que comer?"
Na geladeira, peguei um batavinho, abri e corri pra sala... tropecei na tomada da TV Telefunken com carcaça de madeira e botões que caiu no chão se arrebentando em vários pedaços.
Minha vó veio devagar com os sapatos de sola de madeira fazendo um som estranho nos cacos de vidro que estavam espalhados formando um vitraus no chão.

Sem olhar pra tv, ela viu o iogurte espalhado no chão e perguntou.
- Sie wie Joghurt?

Eu disse:
- Oma, ja!!!!

Sorrindo enrrugadamente ela perguntou;
-Dann, weil verschwendet?
Quando eu comecei a chorar... Ela foi até a cozinha, voltou com um sorriso, uma vassoura numa mão e na outra a tampinha do iogurte dizendo com voz doce de vó:


-Nehmen, können Sie lecken die Spitze!
Posted in | 4 Comments »

4 pessoas leram::

Cam disse...

que história hein, não desgrudei os olhos daqui por um só momento, e não entendi nada em alemão :/, mas, deu pra deduzir, beijinhos tio kak querido :D

Gabe disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Gabe disse...

Edited por erros de digitação: Eu tenho dessas histórias com a minha falecida avó, também.
A diferença é que a minha foi enterrada num dia de sol absurdo. Era iverno.. e o sol queimava.
É engraçado como elas, em toda sua simplicidade, nos satisfizeram.
Isso mostra que quem complica tudo somos nós, eu acho...
Beijos, doce

. mepega disse...

Parabéns!
Achei lindo!
Não entendi a parte em alemão, mas tb deduzi...
Olha só...cada vez que leio aqui,eu fico mto mais impressionada e apaixonada por vc hehehe


bjobjobjo

Seguidores