- eine Ente ist nur dumm!
Eu disse em alto e bom som pra que meu pai entendesse a raiva que eu sentia dele naquela hora.
- Não filho, não é uma estupidez, este é o Duck, ele é magico!!! Sempre que você estiver com ele, eu também vou estar.
....
Besteira.
Ele se foi e me deixou ali, deixou-nos melhor dizendo.
Duck era só quem eu tinha naquela hora, estava anoitecendo.
Quando o frio começava a castigar de leve e o vento batia as janelas de madeira rangendo as dobradiças meio enferrujadas minha mãe chegou.
- Ist er weg?
- Jetzt. Eu disse cheio de lágrimas ainda segurando pelo braço aquele pato beiçudo, amarelo de bico branco e olhos castanhos.
Ela sabia que esse dia chegaria, eu é que ainda vivia iludido com a idéia de que as coisas pudessem mudar e minha família ficasse junta.
- Los geht's morgen. Sie müssen Studie.
Dieser Betrieb ist nicht für Sie!
Só acenei com a cabeça e me virando fui deitar ajeitando o pijama largo de calças furadas que minha tia insistiu pra que eu aceitasse porque meu primo já não as cabia usar tamanho trapo.
Entrei num onibus pela primeira vez que me lembro de ver outro cidade que não aquele amontoado de concreto e cercas de arame da Munich fechada.
Chão batido e carros, pessoas com jeans e camisetas. Prédios com estilo gótico, igrejas católicas e protestantes aos montes e logo asfalto, preto e ruidoso com o chaqualhar do onibus.
Intermitentes andantes e transeuntes amotinados... só indo e vindo.
Essa é a capital. Ali eu ia estudar, se seguisse a tradição da familia, logo viraria padre e seria mais motivos de orgulho eclesiástico e a liturgia de domingo teria voz nova nas preces matinais e vespertinas.
Não que eu suspeitasse ou mesmo concordasse com as decisões da minha mãe mas, nem eu nem Duck, encharcado de lágrimas, conseguíamos fazê-la mudar de ideia.
Meu pai tinha saído de casa aos meus 6 anos. Eu que nunca tinha saído daquela fazenda, descobri que tinha irmãs me esperando, fruto de um relacionamento extra-conjugal não muito bem sucedido da minha mãe, não que na época eu soubesse de que se tratava extra-conjugal. Mesmo hoje não sei se compreendo.
Seguíamos os três, mamãe, o pato e eu pelas escadas da Borges de Medeiros até chegar na igreja lustrosa e Valenciana do século XIX.
Pde. Medencio nos recebia com o sotaque típico da nossa raça, cheio de x e jotas com sons de z. Sua batina roxa indicava quaresma. Não comia carne e nem queijo nessa época, mas pra me fazer parar de chorar minha mãe me comprara um sandwich fresco com suco de laranjas.
Medencio me afagou os cabelos carinhosamente com um sorriso espirituoso na face ao dizer que eu seria um grande padre, coisa que logo depois eu entendi.
Tudo isso, porque meu pai, aquela coisa miserável e cretina nos deixara sem um tostão num país onde eu nem sequer sabia dizer bom dia.
Dali pra casa da mãe da minha mãe e dali pra uma peça nos fundos desta. Um retangulo de 2x4 que mal cabiam nossas camas e um armário da minha tia onde nossas roupas poucas ficavam dobradas e atulhadas com pastilhas de naftalina barata.
Duck dormia comigo noite após noite, sempre me escutava e não parecia se importar com o fato de que eu nem lhe dava tempo de responder porque falava demais e já que só ele era meu amigo e me entendia, não havia motivos pra que discordássemos sobre as coisas que ocorriam.
Aprendemos português, matemática, bicicleta e pipa juntos. Ele não gostava de aparecer na frente dos outros e por isso mal saíamos de casa. Eu cursei o primário em tantas escolas que quase não me lembro, além da barreira do idioma, meu temperamento era desregrado e eu me revelava indisciplinado por achar que os conhecimentos que me eram passados não estavam de acordo com o que eu deveria e poderia exercer.
Duck me dizia que poderíamos fazer muito mais e eu sempre analisava a sintaxe dos textos de assis enquanto as crianças do meu colégio aprendiam a separar silabas e pretendia dar um jeito nas emissões de CFC enquanto se jogava bola nas ruas de pedra da Cidade Grande.
O tempo passava pra nós dois por igual, mas cronologicamente eu sentia mais que Duck, ele permanecia ranzinza e rabugento, beiçudo como no primeiro dia em que nos vimos. Eu já sorria as vezes, ganhara um outro pai e irmãs com quem eu consegui descobrir o amor.
Eu cresci e ele se tornou cada vez menos actuante no meu dia a dia até que relutantemente foi parar num fundo de armário qualquer...
Quando no enterro da minha vó eu comentei que Duck sentia saudades do meu pai ele só me perguntou:
-Quem?
Ali eu desisti de entender aquela mente perturbada. Só pode ser genético esse desapego.
Ele não parece ter encontrado razão ou sentido na paternidade. Ao contrário de mim que encontrei toda lógica em ser pai. Eu que descobri meu coração batendo fora do peito no sorriso da Isabelle, sei que não posso existir sem que ela esteja ali. Sem ver aquele olhar pidão e os louros cabelinhos enrolados da minha pequena monstrinha que atualmente numa prova de herança genética começou a manifestar sua veia artística desenhando nas paredes e geladeiras e máquinas e tudo mais que estiver ao alcance dos curtos bracinhos brancos e gordinhos.
Todavia, meu chão se desfaz com a facilidade de um tornado quando descubro que logo vamos nos separar.
Ela vai se criar longe de mim. Não há nisso, não tentem mais me convencer de que há pois não há nisso, qualquer coisa de positiva. Sei lá quantas centenas de Km nos irão deixar distantes e meu já escasso tempo só vem a Foder de vez pra que consiga passar alguns minutos com essa criatura a quem eu amo no mais amplo sentido de todas as coisas.
Ela crescerá sem a minha (positiva ou não) influencia, vai se criar com outras pragmáticas experiências que não compartilharei com ela.
Vou me restringir a umas poucas visitas que minhas obrigações vão permitir.
Só penso e largar tudo pra que possa ir pra perto dela evitando assim essa morte anunciada.
Me diz que vazio disposto esse que se avizinha sem minha filha aqui.
ME DIZ QUE DOR MAIS QUE INFINITA EU POSSO SUPORTAR SEM O MEU SOL O MEU AR.
Não nem vou, tentar, justificar ou racionalizar essa perda. Distancia mascarada em perda. Será que ela vai me amar como agora? Não seria eu um idiota ao desconfiar do amor que EU SEI que ela tem por mim.
Que tipo de "duck" eu daria pra ela que nem me entende direitito.
Me separar da minha filha é a maior sacanagem que alguém poderia fazer comigo.
Que animo eu vou ter pra viver cara. Já me bate com facilidade um desespero em não dar certo nada que eu quero.
Como eu vo fazer pra tentar ser alguém na iminencia de perder o meu motivo de existir.
Que herança deixo pra minha alemoazinha dos olhos de mel...
O Duck ainda existe viu, tá ali no canto da minha atual cama perdido naquela casa imensa. Por muito tempo ele sequer me olhou nos olhos.... ainda esses dias nos falamos...
ambos temos muita cumplicidade no sofrimento que meu pai causou, mas ele me deixou algo bom. Minha vida, a única coisa que é minha e sob a qual eu posso exercer minha liberdade e minha existência, aquela coisa que me permitiu conhecer a Luane e tornar ela mãe assim como eu me tornei pai, realizar meu maior sonho e ser um cara completo por si só.
Amar, eu amo. Mais que todo mundo junto. Sofrer, eu sofro. Mas sozinho.
Agora, mais sozinho que nunca.
Um pato chamado Duck [herança e separação]
sábado, 7 de fevereiro de 2009
by AlphaMale
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Acho que todos sofremos sozinhos. O pior é quando amamos sozinhos.
Tentar compartilhar um sofrimento é muito complicado, mas um amor.. bem.. um amor é sempre compartilhado com um sorriso bobo e uma luz nos olhos.
Beijos meus
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