Muito vento aqui dentro

terça-feira, 7 de abril de 2009 by AlphaMale
Choveu essa madrugada...
Foi rápido, bem rápido. Eram quase 3:30Am, tinha um vento gelado batendo a minha janela que não me deixava dormir... Olhei a sacada e vi os primeiros pingos d'água caindo no piso alaranjado.
Logo ele já refletia uma lua cheia e tremida, o frio continuava, eu ali deitado no colchão que agora está no chão, ouvia uma música qualquer bem triste que me lembrava o quanto já fui feliz e não soube aproveitar...
Tive uma súbita vontade de levantar e olhar pra rua.
Não me vesti no entanto. Coloquei um par de tênis surrados do fim de semana e sai pela porta.
Gotas de chuva gelada e pesada caiam repetidamente no meu olho... não dava pra ver muito.
Não sentia frio por algum estranho motivo, mas a agua estava gelada e escorria da cabeça até o chão... Eu ali, nu, olhava os lados, ninguém na rua, caminhei dum lado pro outro, alguns passos somente, ventava também.
Eu, pelado, na chuva. Pareceu uma eternidade...
A lua prata, enorme no céu me olhava com desdém.

*agora digitando e escutando: essa música

Começou cheio de luz, era um domingo. Tinha um pingo de ressaca na mente ainda, estava procurando uma saída. Podia ser qualquer uma, quando só se quer ir pra casa não faz diferença qual porta abre primeiro, desde que te leve pra algum lugar onde tenha silencio.
Tinha algumas perguntas na mente, sempre fui de questionar, mas naquela hora eu estava no meu casulo, não esperava que algo novo pudesse surgir.
Como sempre ocorre, a porta estava fechada. Dei a volta e segui outro caminho, fui mais fundo. Desci as escadas e dei a volta, mais luz e mais luz, uns poucos passantes de lado me observavam.
Numa mesa eu vi ela. Sorrindo já, senti que ali morava meu coração. Achei a mim mesmo naquela hora.
Eu que sempre fui perdido, que sempre tive minha cabeça fora do lugar, vi num sorriso à dez passos, o resumo de toda a felicidade.
Quando sentei na frente dela, ela nem me olhou.
Algo havia, não pode ser alguém assim tão indiferente.
O que há enfim?

No seguir da coisa toda, tive um mundo, um universo nas mãos.
Toda felicidade e realização que um homem pode desejar. Uma mulher completa, uma casa nossa, um cão... Uma filha. Meu rebento, meu maior sonho se tornara realidade. Tive por um tempo, tudo que eu jamais tinha imaginado ser possível. Na simplicidade do inesperado, Deus me trouxe tudo de mais lírico que um inquieto poderia querer.
Tive dias de frio, um corpo quente ao meu lado. Tive noites de calor, chamas na minha cama.
Tive chuva e abrigo num olhar. Tive nas minhas mãos os cabelos e pele macia sem igual.
Beijos de amor, olhares de paixão. O que mais pode se almejar com tanto coração?
Tudo ali, ao meu alcance, sem esforço, sem mentira. Plenitude existencial que absorvia com meus ouvidos atentos e olhos curiosos, crescendo e se tornando uma infinita planície horizontal de verde. Cortando os limites do racional, parecendo mágico, tangendo o real.

Não tem como não chorar imaginando, querendo ter de volta...

Um raio me trouxe a realidade, ainda estava ali parado. A chuva caindo, as lágrimas caindo, o dia subindo. Pelo que percebi, foram mais de 40 minutos... Eu, o mundo, o vento e a liberdade compartilhando o mesmo coração. Gritei bem alto pra que com o ar, saísse a dor. Assim não quero mais vento, nem dor, nem lágrima nos meus pulmões.
Agora precisava voltar pra cama.
Abri as portas, entrei pingando e segui deixando o rastro pela cozinha, escada, quarto ate o banheiro.
Me sequei olhando o rosto no espelho, não sei mais quem eu era, quem eu sou.
Não sei caminhar pra trás.
To perdido isso é um fato.
Mas , perdido onde?
Entre o que eu sou e o que eu fui?
Será que tudo de bom que me aconteceu, não foi mais que um lapso na minha existência, me tirando do ostracismo, extraindo essa carcaça do universo particular borderline que eu tinha pra me jogar numa realidade que não é minha. Tipo um sonho, uma gota de vida no meu mundo B&W?
O que eu vou pensar, se no meio desse furacão, além de não ver nada ainda me deparo sozinho comigo mesmo depois da tempestade.
Olhei bem no fundo do olho, diante do espelho, aquela sombra que incidia meu lado esquerdo. Lá fora os barulhos da chuva, uns passos corridos na rua, imagina o que teria pensado se me visse ali pelado?!?!

Actualmente to num olho de furacão, perdido como criança em sala de horrores. Acuado como quem quebra um vaso antigo de avó.

To gastando tanto tempo mostrando que eu não presto pra quem me ama, que esqueci de ser eu mesmo.
TO rasgando meus defeitos pro mundo ver que eu não quero estar aqui. Não quero ser cercado de gentes, sorrisos e felicidades.
Preferia quando eu era só.
Eu pedi por isso. Eu pedi que o mundo me visse. E agora tento em toda sombra me salvar e tomar fôlego como se esse navio estivesse afundando a cada minuto.
Até quando essas coisas vão ir e vir?
Até quando meus sonos vão ser despertos por saltos e sobressaltos na cama?
Olhando o céu sem entender as estrelas, sem entender como as ordenadas e as abcissas.

Meu quarto, desenhos nas paredes, aquela série de folhas riscadas com as frases unschuldig e cheias de platonismo.
As musicas no radio, decoradas e sussurradas no canto.
Pouca luz, sol aquecendo no inverno, vento aliviando na primavera.
Eu, meu mundo, meus desenhos, minhas paixões.
Quando não precisava confrontar tudo que eu sei com quem eu conheço. Era tão mais fácil, tão mais feliz.
EU que andava no preto, porque deixei o monocromático?
Que tanta graça tem nessas cores?
Acaso já não tinha sorrisos quando lia Assis e Kant? Quintana e Nietzsche já não me faziam pensar?
Era sim, mais fácil entender as pessoas quando destrinchadas nos livros sem virgula do Saramago...
Hoje, só vento, no vazio. Aqui dentro.
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