- Xeque!!!!
Normann foi categórico, tinha vencido e sabia como vencer. Era implacável no xadrez. Seu pai ensinara-lhe todas as possibilidades e jogadas em sequência,
enfim, cada passo que seu adversário pudesse dar, como se previsse o que viria a seguir.
Assim foi durante toda a vida, antecipando os passos alheios como se assistisse a um filme repetido.
Levantou-se e saiu sem olhar pra trás, assobiando como sempre. Três ou quatro incrédulos observaram sem entender e deram de ombros seguindo seu caminho.
Maio é um mês transitório sob todos os aspectos, chuva pela manhã, as 11 já faz sol, meio dia um calor insuportável e depois das 15 desaba o céu numa
torrente. Normann não ligava, simplesmente não se importava em caminhar na chuva, até achava melhor, sempre tinha menos gente na rua quando chovia,
E logo que os pássaros começassem a cantar logo levantariam voo, a pressão atmosférica teria baixado e a temperatura subiria, isso significa que a chuva vai
passar. Ele se sentaria num banco de praça pra secar e vendo o tempo passar pelas sombras que os arranha-céus projectavam no chão.
Lembrava apenas vagamente do tempo das tribunas, onde os pomposos prenomes Doutor e Vossa senhoria eram sempre pronunciados antes de seu nome.
Agora, que lhe sobrava? Sapatos falantes. Abertos da sola ao salto amarrados com cordas.
Quão cruel pode ser um destino infeliz. Nunca se esquecera do quanto era elogiado por suas propostas na casa civil, dos eleitores extasiados ante seus
discursos inflamados meticulosamente elaborados espelhando-se no homem que pronunciou Rosebud em seu momento de morte.
Quisera buscar algo da sua infância naquelas miniaturas de carros luxuosos, único resquício do passado glorioso. Na prateleira dispostos lado a lado,
vez que outra polidos com trapo e cuspe, calotas cromadas e para brisas trincados, tudo que quisera em tamanho natural e que só teve em doses menores.
Satisfez todos os seus reprimidos desejos juvenis estreitados e suprimidos pela falta de recursos do casebre periférico.
Fugidos do pós guerra reprecionista europeu seus pais, letrados de classe média na Suécia, cataram lixo nas ruas da São Paulo emergente que efervescia
imigrantes orientais e palestinos.
Tinha ainda um Pulitzer já não tão dourado e carcomido nas bordas, a única mostra de seus feitos na imprensa, um nome um rosto esquecidos que jamais deveriam
ter sido lembrados.
Remetia aos dias no navio, rodeado de miseráveis famintos caçando ratos no convés enferrujado do SS Montecristo, partido em Julho da França.
A viagem foi longa, dolorosa, mal tinham espaço para dormir e comida era vista mais em sonho que em realidade. Cento e vinte e nove embarcaram,
23 chegaram vivos e destes 4 morreram em seguida molestados pela peste.
Ali chegados, descobriram que Corven, amigo de seu pai que lhes daria abrigo, tinha sido preso como reaccionário e ficaram dependentes de si mesmos.
Normann cultivou ódio especial pela policia de nosso país ao ver seus pais serem violentamente espancados diversas vezes como mendigos e por não saberem
nenhuma virgula do nosso idioma, ficaram impossibilitados de pedir socorro ou mesmo comida.
Ao ser coincidentemente adoptado por um Banqueiro Croata, viu desaparecer pela janela traseira, seus progenitores numa fumaça preta do escapamento do cadillac
vermelho, levado à uma casa que mais parecia um castelo, teve seus cabelos cortados, dentes escovados e lições de matemática, física e português.
Tinha só 14 anos quando fora separado de sua família e tal trauma só deixaria maus traços em sua personalidade. A paixão pelo xadrez aumentava dia após dia e
seu talento notório e suas vitórias alexandrinas eram impressionantes.
Normann sabia o que as pessoas queriam ouvir, sabia o que queriam ver só de obervá-las e agia tetricamentente de forma à agradar à todos. Impressionava
todos os poderosos empresários amigos de seu tutor, discorrendo com propriedade sobre a economia alemã em crise e de que os E.U.A. seriam uma potencia em breve
desprezava os crentes que conhecia, Deus pra ele era uma tolice teocrata que alguém usou pra angariar dinheiro do populacho marioneta.
Quem acompanhou de perto viu crescer um jovem solitário que até seus 20 anos não conheceu mulher e prefieria livros à pessoas. Excepto talvez pelo seu "pai"
e os colegas do clube de xadrez.
Preferiu o jornalismo às ciências como queriam todos, preferiu os números às pessoas. Fazia questão de enaltecer os grandes comunistas em público, ponderando
serem eles os responsáveis pela evolucionista ciência do século XX.
Trabalhava no rádio aos 23 narrando pequenos trechos de telenovela quando fora convidado à dirigir uma peça de teatro.
O sucesso estrondoso que se avizinhava era um presságio de sua ilustre carreira.
Ofuscado pelo brilho do poder e deslumbrado pela acessibilidade que os ternos italianos lhe davam.
A década próspera para mentes brilhantes mas contidas se manifestou positivamente ao nosso jovem que tencionava voos maiores.
Angariando fundos com sua classuda roda de amizades lançou cargo à deputado, sendo agraciado com uma vitória esmagadora graças à sua popularidade instantânea nos jornais
populares da região metropolitana.
Tudo andou muito bem no seu mandato que aparentemente imaculado...
Sobrou de novo pra mídia cretina sujar as aparencias do bom homem. A mesma mídia que lhe presenteou o mais alto grau de notoriedade.
O mesmo sedento animal carnivoro hamatófago que carece de suas presas como sangue suga sensacionalista.
Xadrenista perspicaz e atento, sonhava estratégicamente mudar o país sem alarde.
Arduo era o inverno em que se embrenhava nas nossas matas pra alimentar os índios e longas as caminhadas onde arrecadava roupas na traseira da sua Brasília....
Ao pronunciar-se na tarde de 16 de julho de 1986, iniciando seus trabalhos vespertinos pelo tradicional "Nobres colegas" quando inrromperam a sala alguns homens de
capote preto armados e mal encarados. Algemando o prestigiado locutor ante vaias e protestos.
Ninguem se moveu.
Normann foi arrastado sob socos e pontapés alegando inocencia sabe-se la do que.
Nunca mais se uviu falar do homem de cabelos louros, nem de seus ternos italianos ou de sua voz grave e inebriante.
Foi tido por uns como herói politico, mártir reprimido.
Por outros como contraventor revolucionário e pervertido.
Manifestações de liberte e clarins de mate surgiram como estrela céu da serra.
POuco tempo depois, o aclamado deputado sequer era lembrado.
Nobres colegas, povo do meu Brasil, tendes memória curta, não sabes escolher teus heróis e muito menos teus vilões. A qualquer um que te presenteie de meio metro
quadratico de asfalto chamas meu rei, porquanto aquele a quem luta pelo teu sustento chamas de trouxa.
se não fossemos, tão preguiçosos, tão generosos e cegos, poderiamos ser potencia. Ser "primeiro mundo" e não um bando de cegos no meio do tiroteio.
Me entristece pensar que estamos na mão dos mais porcos e descaradamente mentirosos da politica.
Mas me enche de ódio saber que isso só reflete as escolhas de um povo ignorante que não se preocupa em escolher quando deve, mas que adora reclamar quando não precisa.
0 pessoas leram::
Postar um comentário