Nunca é muito correto iniciar-se uma tese filosófica baseando-se num sonho.
O universo etéreo da mente humana é interpessoal demais pra se contrapor a um padrão geral como o universo do conhecimento propõe.
Esses registros heterogéneos da mente são pouco precisos pra basearem uma hipótese ou mesmo uma previsão. Afinal lidam com probabilidades e registros de memória que não estão acessíveis a nosso consciente, jogando os pensamentos com cor e com tempo de forma desconexa. Mesmo quando aparentemente fazem sentido.
Sempre tive um apreço maior pelos super-heróis com Alter ego, aqueles cujo conflito existencial se aproximava da nossa realidade, por experimentarem os lados ambíguos da vida, da eficiência e exposição, ao esconderijo e insignificância.
Aqueles capazes de compreender ou pelo menos de tentar de uma forma objectiva e clara, os problemas alheios e qual sua relevância na vida dos demais que pudessem ser interfirentes ou simplesmente deixassem a vida seguir seu curso.
Bom, como algo que é duro, é duro como a camada de uma estrela de neutron. Minha cabeça é quase tão densa como um buraco negro.
Era pra ser uma noite como outra. Andei pela casa escura na qual me acostumei a chegar todas as noites e já sem tactear o caminho que eu conhecia bem. Fechei a porta atrás de mim, com a força tradicional pra uma porta antiga e pesada fechar-se.
Andei os mesmos passos largos e leves até a escada passando pela geladeira aberta e desligada, vazia e cheia de pó.
Subi a bendita escada em caracol que leva rangidamente os pés até meu quarto, enorme e vazio, ocupado pela cama de sempre e pelo eu de vez em quando.
A camisa eu tiro primeiro, acabo puxando pelas mangas e a gravata sempre fica pendurada no pescoço. Jogo no canto do lado da porta até acumularem as roupas como se fosse uma montanha.
Caminhando e tirando a gravata, mantendo o nó que eu só desfaço antes de refazer.
As meias, uma de cada vez, pulando num pé só.
O cinto joguei num negócio que tem lá que eu nunca preocupei em saber do nome, tipo aqueles onde se põe chapéus e casacos quando se entra numa festa e o mordomo te recebe. Saca, tenho um desses bem velhos no quarto.
Ali também penduro as calças de corte reto que eu uso com sapatos pouco lustrados pra trabalhar. De cueca vou pro banheiro tomar um banho gelado e escuro. Depois que me acostumei a ficar sem energia elétrica graças a um eletricista filho da puta, quase não acendo nada em casa.
O shampoo que eu uso dia sim dia não, tem um cheiro cítrico que me agrada e eu uso em pequenas quantidades na cabeça, sempre mais no topo que dos lados da cabeça.
Ia entrar no box quando... quando veio aquela sensação.
Sabe? Quando tu sentes que mais alguém tá ali contigo, alguém junto. Não necessariamente no mesmo lugar, mas perto. Como quando tu percebe que a TV tá ligada mesmo sem conseguir ver ou ouvir.
Eu senti isso. Me virei rápido pra ver se era só loucura e ...
Bom, naquele escuro, mesmo eu não conseguia ver muito. Andei, acendi a luz, me deparei com um completo estranho!!!
Cheio de espanto por aquela situação eu pensei:
Quem é esse cara, com essa cara estranha?
Porque me imita, porque se limita a me fitar nos olhos, com esse tom ameaçador.
Esse ai, que me vê do avesso, esse que eu sequer conheço, tem algo de familiar.
Não sei, devo ter visto na TV, devo conhecer. Diria que seriamos parecidos sem essa barba por fazer.
Desconfio que a tempos ele me observa, acho até que sempre esteve aqui.
Mas como nunca o vi? Porque me olha tão fundo nos olhos, o que pretende ver?
Esse ar de arrogância, quem esse cara pensa que é? Pra me olhar assim presunçoso e cheio de impáfia?
Pensei em dar de ombros e lhe dar as costas mas ele ia se virar e fugir quando me peguei olhando pra ele de novo.
Como que pode, com essa cara cansada e esse ar de derrotado. Ostentar um orgulho assim?
Deveria chegar e tirar as caras, falar as claras, saber quem é e porque me seca assim.
Afina, não sou guri de meias palavras e acho que ele pensa isso de mim.
Quando quase me distraí, percebi que ele ainda me olhava.
Agora com ar de curioso, parecia até inquisidor, como se quisesse saber pra onde eu ia ou de onde vinha.
Meu Deus, será que ele já me conhecia!?!?
Meio que assustado, meio que magoado, com aquela vistoria, quase inquisitora.
Apaguei a luz e ele se foi. Ou pelo menos era o que eu sentia.
Aparentemente, estava só.
Até ouvir um "Maiqueeeeelll....." distante demais pra parecer coisa além da minha imaginação. Mas a voz, tinha algo de familiar.
Meu banho foi rápido, agua gelada não é coisa pra mais que 10 minutos e era tarde, eu estava moído como carne de segunda.
Me sequei numa toalha velha, fina já. Era coisa que eu não tinha hábito de comprar, no máximo trocava quando ganhasse.
Caminhando, pingando e balançando a cabeça como um cusquinho de rua depois da chuva eu fui até a cama. Larguei a toalha na cabeceira, afinal que homem que preze seus culhões estende uma toalha???
Deitei ali, uma das 14 cuecas brancas no corpo. A cabeça mais umida do que minha mãe recomendava e a cabeça, a enorme cabeça, como sempre, cheia.
Aquele cara, que eu vi, não parecia nada comigo, excepto pelo olhar. Estranho, nosso olho era bem parecido.
Mas com aquela carranca nos cornos, com aquele ar meio desolado. E aquela barba.. nossa, aqueles pelos, uns poucos ali espalhados como sopa de criança mal criada.
Aquela cara de poucos amigos e um olho fundo, cercado de negro, escuro, sei lá.
E outra, porque me olhava daquele jeito. Tão curioso. E porque não saia da minha cabeça?
E assim foi por algumas horas, depois de perder a noção do tempo, dormi.
Mas dormi naquela posição filha-da-puta, um dos braços na nuca, o outro no peito.
Mesmo com o vento entrando na janela, eu não me cobri nem nada. Fiquei ali ouvindo Save The Robot, projeto do Alien e do Quadra, bem bom...
Então, eu estava caminhando num lugar esquisito, chão poeirento e grama rala.
Não usava minhas roupas habituais, exceto talvez pelo tênis que me parecia comum e bem desgastado como eu gosto.
Parecia um lugar que eu vivia desde sempre, desde bem criança .
Só caminhava até que alguém me chamou, mas antes que eu virasse....
Acordei. Aquele gosto de quem acorda dum sono longo, presente na língua.
O fôlego preso e sufocado com se alguém tivesse recém destampado minha cara com o travesseiro.
O Sobressalto foi tão grande que eu fui parar longe da cama.
A dor nas costas me jogou direto pra realidade. Mas véio, se tivessem ouvido a voz que me chamou, era...
Era Ele, certamente, era Ele.
O misto de medo e pavor que me abateram naquela hora quase me fizeram chorar.
Achei que fosse demorar mais.
Já era hora, de um próximo passo, de um noto estagio.
De uma nova abordagem com relação ao que eu me comprometi a fazer.
Não é simples, essa missão é longa e de fato, como toda escolha, requer renuncias.
Será que eu estou fundamentalmente comprometido ou apenas me deixei levar por um impulso como até então.
Seria por isso aquela curiosidade que despertei no meu reflexo. Seria esse o sinal de que a mudança se aproxima.
O fim dum ciclo, o começo de uma linha reta.
Eu sei pra onde ir. Sei exatamente. Como se já estivesse estado lá. Mas...
Eu devo ir agora?
Do outro lado - (interrogação)
segunda-feira, 11 de maio de 2009
by AlphaMale
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